
O Controlador-Geral do Estado de MG, Rodrigo Fontenelle conversou, hoje (26/06/20), com a Rede Governança Brasil (RGB) acerca de sua gestão no estado e sobre como os órgãos de controle precisam se reinventar perante o novo cenário que estamos vivendo. A RGB é uma rede colaborativa e qualificada tecnicamente composta por servidores públicos, professores e especialistas que trabalham de forma conjunta para disseminar as boas práticas de Governança no Setor Público brasileiro. Confira a conversa:
Professor, como os órgãos de Controladoria dos estados podem contribuir, na sua opinião, para fomentar a Governança no setor público brasileiro? Estamos fazendo o controle interno dos órgãos públicos de maneira adequada?
Umas das principais missões de uma controladoria é agregar valor à gestão e isso passa, necessariamente, pela melhoria da governança. Por ser um tema que acabou sendo internalizado primeiro no Brasil pelos órgãos de controle (TCU e CGU na esfera federal), os auditores acabaram tendo uma expertise maior do que o próprio gestor na temática. Então, cabem às Controladorias e Tribunais de Contas repassarem esse conhecimento adquirido, seja por meio de capacitações e, principalmente, por meio de Redes. Quanto à segunda pergunta, ainda temos muito o que aprimorar nesse quesito, principalmente fazendo com que o gestor entenda que essa é uma responsabilidade dele, não da CGU ou TCU.
Você esteve nesse ano em um evento sobre melhores práticas em controle e transparência. E dizem que você foi um dos maiores responsáveis pelo sucesso da Rede GIRC e hoje faz parte da Rede Governança Brasil. Na sua opinião, qual a importância e quais devem ser os papéis das redes que englobam órgãos públicos?
Sendo bem honesto, é nossa única chance. O trabalho em Rede. A Rede GIRC tem dado certo pelo seu caráter informal e colaborativo. Não existe um dono da Rede, embora, claro, tenha que ter alguém que coordene. Da mesma forma vejo a Rede Governança Brasil. Todos imbuídos de um espírito público elogiável, tentando fazer o máximo para a melhoria da entrega de resultados em todos os níveis (federal, estadual e municipal).
Professor, na sua visão, em que nível estão os órgãos públicos brasileiros hoje em termos de integridade e transparência? Gostaria que você comentasse um pouco sobre os avanços após a Lei de Acesso à Informação.
É inegável que a LAI é um marco para o avanço desses temas no país. Também é inegável que temos evoluído nisso, mas ainda precisamos melhorar um pouco a tempestividade das respostas. Só para você ter uma ideia, quando cheguei na CGE tínhamos 232 pedidos de 2017 e 2018 não respondido no Estado. Gastamos 6 meses para zerar todo esse passivo. Outro ponto que merece uma melhor atenção é em relação à qualidade das respostas. Pode melhorar muito.
Em relação à integridade grandes avanços ocorreram desde 2015, com a CGU à frente do processo. O Decreto 9.203/17 foi um importante avanço normativo, fazendo com que órgãos e entidades saíssem da zona de conforto em relação ao tema. No momento, vejo a necessidade de se avaliar a efetividade desses programas como o ponto crucial. Em MG, convido a todos para conhecer o que estamos fazendo sobro o tema no hotsite do Plano Mineiro de Promoção da Integridade – PMPI: http://www.cge.mg.gov.br/pmpi/
Você poderia falar um pouco sobre a campanha de integridade feita no Governo de Minas Gerais? É possível mudar a cultura dos órgãos públicos e da sociedade em termos de integridade?
Se eu não acreditasse que é possível não teria tido filhos. Quanto à campanha, teve uma aceitação muito grande entre os servidores, pois foi feita para eles e com eles. Sempre gosto de citar duas frases da campanha, pois conseguem passar o que queremos com esse tipo de ação:
1 – “ A imagem da sua instituição vem do exemplo que você dá. ”
2 – “Não é só uma campanha, é uma cultura em construção. ”
Professor Rodrigo, você teve uma ampla trajetória na área de controle de órgãos federais e agora está trabalhando em um governo estadual. Quais as principais diferenças, na sua opinião? É mais complicado trabalhar com controle em um estado ou na União?
É sempre complicado (rs). No estado estamos mais perto da população. Se por um lado (principalmente no meu caso, que assumi a Controladoria de um estado com uma imensa crise fiscal), faltam recursos, se comparamos com a União, por outro lado as ações tendem a chegar mais rápido no seu destinatário. O caminho tende a ser mais curto.
Você tem falado em suas palestras sobre a importância do propósito na entrega de resultados pelos servidores públicos. Poderia comentar um pouco sobre isso?
Eu brinco que adoro essas palavrinhas (com certeza muito importantes): gestão de riscos, governança, compliance, etc. , mas eu gosto mesmo é de resultado. E para termos resultado precisamos, além desses instrumentos de gestão, a entrega do servidor público. Isso foi um pouco o que quisemos resgatar com a campanha de integridade citada em uma pergunta anterior. Não é apenas ir trabalhar como obrigação. A sociedade espera muito de nós. Temos que retribuir isso. Para a minha equipe lá na CGE eu sempre falo uma frase: quero que vocês saiam todos os dias esgotados, mas com saúde e felizes por terem entregado o melhor de vocês naquele dia.
Sabemos que boa parte dos municípios brasileiros carecem de estrutura em diversas áreas. Como fomentar, na sua opinião, a governança e o controle interno nas prefeituras do país?
É a parte mais difícil. Como falar de governança se boa parte deles não tem nem planejamento? Como falar de riscos sendo que eles não sabem nem o que é segregação de funções? Em MG, que tem o maior desafio, já que temos 853 municípios, montamos uma câmara técnica dentro da nossa Rede de Controle (ARCCO), composta pelos principais órgãos de controle e defesa do estado, para estudar a melhor forma de fazer isso.
Depois de algum tempo atuando na segunda linha de defesa, AECI do extinto Ministério da Fazendo e no extinto Ministério do Planejamento, você retornou a sua origem, a auditoria, terceira linha de defesa (CGE-MG). Quais as principais diferenças que você percebe atuando na segunda e na terceira linhas de defesa?
Acho que eu me tornei um melhor auditor tendo passado pela segunda linha de defesa, tendo enxergado mais de perto os reais problemas dos gestores. Vendo o "outro lado", embora eu entenda que todos estamos do mesmo lado, apenas com perspectivas diferentes. Tenho empregado o bom senso e o diálogo com o gestor para buscar primeiro o convencimento em relação às nossas temáticas. É claro que a caneta na terceira linha de defesa acaba sendo mais pesada que na segunda, então, às vezes, isso é necessário. Mas é importante separar o joio do trigo. Quando não punimos um mau gestor, incentivamos a prática do ilícito, mas quando punimos um bom gestor, criamos um desincentivo perigoso que pode culminar até mesmo com o tão falado “apagão das canetas”.
Como você vê a atuação dos órgãos de controle durante a atual pandemia? Será necessário revisar a literatura sobre gestão de riscos no setor público após a atual crise?
Mais do que nunca é hora de os órgãos de controle entenderem sua importância e papel nesse cenário extraordinário. Se por um lado temos que ter empatia em relação ao gestor que está procurando fazer o certo em um cenário totalmente atípico, por outro temos que zelar pela transparência e aumentar a fiscalização, uma vez que o risco também aumentou devido à flexibilização da legislação.
Mais do que revisar a literatura sobre o tema, talvez seja uma oportunidade de fazer com que os gestores a conheçam melhor. Órgãos e entidades que estão se saindo melhor nesse novo cenário são aqueles que já tinham uma maior maturidade em gestão de riscos. Dessa forma, entendo que o problema está mais no desconhecimento ou conhecimento superficial do tema por parte dos gestores do que propriamente no instrumento. Mas é claro que há espaços para uma melhor abordagem da temática a partir dos aprendizados vividos no período.
Muito se fala na pandemia, mas talvez seja o momento de pensarmos na retomada pós pandemia, ou melhor, em uma retomada em convívio com a Covid. Como a CGE-MG tem se preparado para este momento?
Construímos um plano de contingências no começo da pandemia e agora estamos em estágio avançado de um plano de continuidade de negócios. É importante que entendamos o novo contexto, pois é base para qualquer gerenciamento de riscos efetivo. Nesse momento nossa maior preocupação é com o servidor. Como seria de se esperar, há aqueles que lidam bem com um ambiente desafiador como o que estamos vivendo, mas outros “travam”. E o servidor é nosso maior patrimônio. Se ele não estiver bem o trabalho não será bem feito.
Quais legados você pretende deixar na Controladoria-Geral do estado de Minas Gerais?
Fizemos nosso Plano Estratégico 2020-2023 ao longo do ano passado e na visão de futuro da CGE consta "Ser referência nacional na área de controle e reconhecido pela sociedade como um órgão de excelência no fortalecimento da integridade pública." Não tenho a pretensão de entregar uma CGE pronta, mas quero deixa-la em condições de seguir seu caminho de forma independente e com excelência. Estamos trabalhando para isso.